As vantagens do consumo das carnes de suíno

Animais criados naturalmente

RESUMO

As carnes de suíno são, seguramente, um dos alimentos com maior tradição no padrão de consumo dos portugueses e dos povos mediterrânicos. Basta atender à enorme variedade de presuntos e enchidos tradicionais, para não invocar o leitão assado, para nos apercebermos, quase empiricamente, quão profunda e arreigada é a tradição da utilização destas carnes na gastronomia do sul da Europa.

Apesar de não ser um alimento universal, a carne de suíno é a que regista o consumo “per capita” mais elevado do mundo, situando-se perto dos 20Kg/ habitante/ ano; o valor médio deste índice na União Europeia é de cerca de 42 Kg/ habitante/ ano. Em 2010, a produção mundial de carne de suíno foi estimada em cerca de 103 milhões de toneladas, sendo a União Europeia o segundo maior produtor mundial e o maior exportador. Nas sociedades não vegetarianas, o consumo de carnes satisfaz, em média, o equivalente a cerca de 50% das necessidades diárias de ingestão de proteínas, embora estes valores sejam muito mais elevados nos povos do Norte e na China e significativamente mais baixos nas sociedades mediterrâneas. As razões da procura assentam em três pilares principais: a facilidade de utilização destas carnes (fácil conservação); o seu valor nutritivo intrínseco e a tradição gastronómica ou o gosto pelos preparados culinários que utilizam a carne de suíno como ingrediente.

No que respeita ao valor nutricional das carnes de suíno, ele não reside apenas na sua excepcional riqueza proteica, equivalente à maioria de todas as outras, mas também nalgumas vantagens específicas que decorrem da sua maior digestibilidade e da complexa composição dos lípidos que a constituem.

A quantidade absoluta de lípidos existentes nas carnes de suíno, depende do estado de acabamento (engorda) dos animais de que foi obtida; da peça de talho, da raça e da idade do animal no momento abate. A composição da dieta dos suínos também tem influência nas diferentes fracções lipídas. A gordura de suíno tem o mesmo sabor calórico de todas as outras gorduras, sejam de origem animal ou vegetal. O que os lípidos da carne de suíno têm de especial é a sua riqueza em ácido oleico, na forma de triglicérido (cerca de 35% do total de lípidos) e o facto desse ácido gordo se encontrar, praticamente na sua totalidade, na forma – cis. Esta fracção lipídica, com estas características, tem evidentes vantagens dietéticas contribuindo fisiologicamente para a prevenção da síntese de colesterol e de LDL no fígado humano (o mau colesterol). A especial composição das gorduras dos suínos permite obter um produto industrial, a banha, que é a única gordura do mercado que tolera aquecimentos até 220º sem se desnaturar, ao contrário das gorduras de origem vegetalque não suportam sobreaquecimentos.

A carne de suíno é rica em vitaminas lipos-solúveis, incluindo as vitaminas A e E, o que, somado ao elevado valor teor em selénio, permite a estas carnes não serem tão vulneráveis ao ranço oxidativo como as dos outros animais. Essa é a razão pela qual elas são utilizadas no fabrico de enchidos e presuntos que, embora expostos ao ar, permitem a esse tipo de carnes conservar-se por longos períodos. A preferência dos consumidores por este tipo de carnes traz benefícios óbvios para a saúde, desde que o volume não seja exageradamente superior ao das necessidades individuais, como é óbvio.

  1. A produção das carnes de suíno

Na actualidade, as carnes de suíno são obtidas a partir de raças de porcos especialmente seleccionadas para a aptidão creatopoiética. Essa selecção genética e o melhoramento da vocação produtiva foram desenvolvidos, sobretudo, durante o século passado. Para se melhorar a produtividade dos efectivos nacionais, foram introduzidas diversas raças ao longo do século XX, sendo as mais representativas : “Land race”, “Large white”, “Pietran” e “Duroc”. Algumas raças autóctonesnacionais, e respectivos cruzamentos, também têm vindo a adquirir valorizações comerciais especiais na medida em que os respectivos modos de produção permitem obter carnes suficientemente diferenciadas para ocupar um determinado espaço de mercado. São os casos dos porcos das raças “Alentejano”, “Bísaro” e “Malhado de Alcobaça”. Algumas destas raças autóctonestêm vocações produtivas especias decorrentes da respectiva aptidão para se alimentarem de produtos vegetais em natureza (não processados) (bolota, sementes de oleaginosas, frutos, tubérculos, hortaliças). Em Portugal abatem-se anualmente cerca de 5 milhões de cabeças de suíno, sendo que aproximadamente 1/5 desse valor é representado por leitões – um produto de grande relevância gastronómica no País.

A maior parte das cerca de 390 mil toneladas de carne de suíno que são produzidas em Portugal são provenientes de explorações cujo o regime de exploração é intensivo. Contudo na última década tem aumentado de forma consistente o volume de suínos produzidos em regime extensivo, dito de “montanheira” associado à raça alentejana, semi-intensivo (raça bisara)e de módo biológico. O regime de exploração e registo das explorações de suínos também conheceu alterações significativas das bases legais do seu lincenciamento, nomeadamente as que se produziram com a publicação do Dec.-Lei nº 214/2008 de 10 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 316/2009 de 29 de Outubroe regulamentadas pela Portaria nº 636/2009, de 9 de Junho.

Em Portugal, a maior parte das carnes de suíno são comercilizadas frescas para consumo directo (70%), sendo cerca de 30% utilizadas na indútria de transformação. Estes produtos de salsicharia, muito diversificados, são comercializados a granel, embalados e, alguns,até, prontos a consumir (enchidos, fatiados). Nos últimos anos cresceu muito significamente o mercado dos produtos de salsicharia do chamado “fumeiro tradicional”, produções que procuram reproduzir os modelos de carz artesanal, típicos de determinadas regiões do País e que são muito marcadas pela sasonalidae. Estas modalidades de produção de transformados de carne de suíno têm uma enorme relevância social, especialmente para o mundo rural, na medida em que se constituem microempresas que asseguram o emprego e o rendimento a familias que de outro modo não subsistiriam. Também os produtos de salsicharia fabricados com matérias primas-obtidasde porcos de raça com denominações de origem protegida (raças autóctones) têm experimentado valorizações comerciais muito interessantes em mercados especiais, ditos “gourmet”, de que é exemplo mais notável o presunto de porco ibérico.

Contudo o maior volume de produção é obtido pelo modo industrial. Os principais estabelecimentos industriais de salsicharia do País localizam-se nas proximidades dos grandes centros urbanos, na região do Montijo e na região da Estremadura (Oeste). O aparecimento da Peste Suína Africana (PSA) nos finais da década de 50, condicionou bastante o desenvolimento de sistemas de exploração em regime extensivo.

A Indústria Portuguesa de produtos à base de carnes de suíno exporta alguns produtos de salsicharia para mercados externos, mas a balança comercial das carnes de suínos está ainda muito longe de atingir a auto-suficiência. A taxa de auto-provisionamento nacional situa-se perto dos 65% das necessidades de consumo internas. Das cerca de 826 mil toneladas de carnes e seus produtos fabricados em Portugal, as carnes de porco reperesentam aproximadamente 48% do volume total. Trata-se portanto do sector mais relevante em termos de volume total de produção de carne. Contudo a balança comercial neste segmento de mercado é negativa, na medida em que existe um défice entre os volumes de importação e exportação. Apesar de não ser um alimento universal, as carnes de suíno são as que mais apresentam, entre os diferentes tipos de carne, o maior volume de produção à escala Mundial (quadro 1).

A maior parte da produção nacional destina-se à venda em fresco, enquanto as carnes de suínos importadas (cerca de 35%) e cerca de 1/4 da produção nacional destina-se à transformação industrial. As produções intensivas nacionais, que se destinam sobretudo ao abastecimento em carne fresca das indústrias e dos grandes centros urbanos, estão concetradas no litoral, especialmente nas regiões do Alentejo, Ribatejo e Oeste, Beira Litoral e Trás-os-Montes, enquanto a distribuição das produções extensivas se localizam predominantemente no interior a sul do Tejo.

Quadro 1 – Evolução das procuções mundiais de carnes na última década (Milhões de Toneladas). (estimativa FAO, 2011)

Anos (milhões de toneladas de carne)
2000 2005 2010
Total Mundial (carne ) 234,5 267,7 285,5
Porco 91,3 94,0 108,7
Carnes de Aves 67,6 91,0 94,2
Bovino 59,8 65,1 64,0
Ovinos e Caprinos 11,4 12,8 13,6
Outras carnes 4,3 4,8 5,0
  1. O consumo

Actulamente estima-se que a capitação média de consumo de carne de porco na União Europeia seja próxima de 42 Kg/hab./ano, um valor ligeiramente inferior ao indíce Português que é de 46 Kg/hab./ano. A região do globo com o consumo “per capita” elevado é Hong-Kong (66Kg).

È inegável que existe na sociedade portuguesa uma tradição gastronómica especial ligada à carne de porco: das febras ou bifanas grelhadas ao leitão asado, dos couratos na brasa aos chouriços e salpicões; do lombo de porco assado ao mais requintado presuntocom marmoredado de gordura, fatiado muito fino, passando pelo toucinho, os chispes salgados, a cachola; pelos salpicões, os paios do lombo, as morcelas, o botelo, as moiras, as farinheiras e as linguiças; tudo faz parte da memória colectiva gastronómica mais viva dos portugueses. Muitos destes produtos são bem característicos das dietas mediterrânicas, nas quais a salga, a fumagem e a maturação (salame, salsichas) são usadas desde a Antiguidade – Fenícios e Gregos; sendo por isso uma manifestação das heranças culturais mais ancestrais dos povos da bacia do Mediterrâneo. Este mar forneceu sempre o material com o qual, historicamente, se conservavam as carnes de porco – o sal.

Em termos organolépticos algumas peças de carne de porco têm características únicas. A cor, a textura e o sabor das carnes de suínotêm características sui generis. É possível encontrar peças de talho praticamente sem gordura macroscopicamente visível como é caso do lombo, até peças em que distribuição da parte muscular e da gordura são quase equivalentes (abas, entrecosto, costoletas do fundo). A quantidade de gordura da carne é variável com a idade dos animais (menor no leitão, maior nos reprodutores), com a alimentaçãodos animais; a raça dos porcos; a peça açougueira e com o estado de acabamento ou engorda (ceva). O grão cerrado, finíssimo e plano da carne de suíno, dando um aspecto aveludado à superfície de corte , torna esta carne inconfundível. Podem observar-se variações de cor da carne também associadas à idade (mais pálida nos jovens), ao regime de exploração (mais escura nos porcos de regime intensivo), à alimentação (gordura ligeiramente mais amarelada e mais fluidas nos animais que ingerem vegetais em natureza) e à região do corpo (variável na própria peça, como as costoletas de fundo e pás).

Comparativamente com as carnes de outros ungulados, a carne de porco tem menos elastina e menos colagénio, tecidos fibrosos cuja a escassez torna a carne de porco mais tenra e fácil de digerir (tendões e aponevroses pouco espessos).

A gordura dos porcos acumula-se principalmente debaizo da pele (toucinho) e dentro da cavidade abdominal (banha), sendo branca, brilhante, de concistência branca, oleosa, ou seja, funde a temperaturas da ordem dos 37ºC. Depois de cozida a carne de porco fica quase branca, ou levemente rosada cinza; o caldo é ligeiramente turvo. A carne obtida de machos castrados ao desmame tem características semelhantes à das fêmeas com menos de seis meses podendo assemelhar-se na cor à da vitela. Nos porcos inteiros a carne é ligeiramente mais escura e acastanhada. Mas a coloração varia com a idade. Os músculos do quarto anterior e da região dorsal são mais claros do que os do quarto posterior.

As carnes dos leitões (21 a 30 dias) têm uma consistência gelatinosa, são de cor rosa muito pálida. A gordura é escassa e de cor levemente rosada, muito branda.

As carnes de porco prestam-se às formas mais diversificadas de preparação culinária: grelhadas, fritas, assadas, salteados, escaldadas, simplesmente salgadas e secas, enfim uma larga gama de opções de processamentos culinários que tornam estas carnes efectivamente atraentes ao paladar. A gastronomia tradicional portuguesa está pejada de iguarias que são feitas com carne de porco: desde as tripas enfarinhadas, ao delicioso sarapatel que os navegadores portugueses do séc. XVI levaram para o Oriente e enriqueceram com os aromas exóticos dos caminhos, do cravinho, da canela e da pimenta e que tornam, hoje, este pitéu num dos mais apreciados na Índia; existiu sempre uma miscigenação entre gostos aplicados às carnes de suíno, com a qual se processou o primeiro movimento global de “fusão culinária”, a partir das Descobertas, e que está actualmente muito em voga.

Quais serão as razões que levam os Portugueses a ter um apreço tão especial pela carne de suínos ou pelos produtos trasnformados que dela se obtêm? Sucintamente podem invocar-se três ordens de razões. A primeira grande razão prende-se com a ancestralidade da produção (disponibilidade)que durante muitos séculos esteve ligada à tradição de aproveitamento de restos de cozinha (lavadura), e outros subprodutos, para alimentação dos porcos (proibida em 1957)e de produtos da horto-fruticultura (batatas, abóboras, couves, farelos). Isto porque a natureza do comportamento alimentar dos suínos é propício à reciclagem de toda a matéria orgânica (omnívoros). Durante cerca de oito milénios, os porcos serviam para reciclar directamente diversas matérias-primas e restos da produção de géneros alimentícios, na actualidade, porém, essa forma de alimentação não é permitida na Europa. Pelo facto de serem fisiologicamente capazes de reter, com muita facilidade, energia no seu organismo fazem armazenamento nas épocas de maior abundância de alimentos para as utilizar nas estações de maior escasseze mesmo de extrema penúria; nesta perspectiva os suínos têm de ser considerados animais domésticos de características únicas.

A segunda grande razão têm a ver com a facilidade de conservação das carnes através da salga, da secagem ou da fumagem. Efectivamente não existe outro tipo de carne que se preste tanto a estes processos primários de conservação como as dos suínos, na medida que não se oxidam com tanta facilidade como as dos ruminantes e das aves. Os factores que determinam essa estabilidade especial dos constituintes das carnes de suíno prendem-se com elementos intrínsecos e outros exógenos, sendo determinante a sua riqueza em compostos antioxidantes (selénio, vitaminas lipossolúvei). Também a menor riqeza dos músculos em mioglobina, confere maior estabilidade bioquímica a estas carnes, pelo menor índice de oxidação das proteínas estruturais.

A terceira razão é de ordem cultural, decorrente da facilidade de confecção e da tradição gastronómica desenvolvida pela cultura mediterrânica ao longo dos séculos. Garnde parte dos produtos salgados, fumados ou curados, obtidos de porco, pode ser ingerida directamente sem qualquer tipo de preparação culinária, o que facilita bastante a utilização destas carnes. Por outro lado as gorduras extraídas do porco são extremamente estáveis quando aquecidas, sendo as únicas que suportam 220ºC sem se desnaturarem. No Alentejo era tradição preparar-se uma banha condimentada com clorau, alho e sal, designada por “manteiga de porco”, que era acondicionada em recipientes de barro e servia para barrar o pão como se tratasse de verdadeira manteiga, mas que nunca rança.

As gorduras de porco são, portanto, as indicadas para utilização em determinadas preparações culinárias que impliquem aquecimentos de gordura a elevadas temperaturas. A própria conservação por longos períodos da carne, já confeccionada, imersa em gordura de porco (banha) constitui uma tradição secular dos povos ibéricos.

  1. O valor nutritivo das carnes de suíno

O que desperta e aguça a atracção pela carne de porco são as suas características organolépticas: a cor, o aroma, a textura, a consistência o grão. Tal como as outras carnes obtidas de ungulados quando ingerida, proporciona uma prolongada sensação de saciedade. Contudo o que existe de mais valioso na carne de porco é a sua composição bioquímica, especialmente a sua riqueza em compostos proteicos (Quadro 2) , o valor biológico das gorduras e outros micronutrientes de grande interesse dietético. As carnes de suíno têm diferentes teores proteicos que variam em função da idade dos animais (leitão, porco, reprodutores); da raça, do estado de acabamento dos animais; da dieta dos porcos, da peça açougueira específica, do tipo de preparação e modo de confecção. As proteínas das carnes de porco são especialmente ricas nalguns aminoácidos indespensáveis como a Leucina (8,6% da proteína), a Lisina (8,5%) e a Arginina (7,0%). Esses constituintes são especialmente valiosos para o desenvolvimento de defesas orgânicas, sobretudo imunoglobulinas (anti-corpos) que permitem aos consumidores de carne de suíno ter defesas orgânicas mais competentes contra infecções e outras doenças.

Quadro 2. Composição centesimal de algumas carnes frescas (Adaptado de Price e Schweigert, 1971)

Legenda: (*) O fígado de vaca e de outras espécies têm valores entre 1,5% a 2,1% de glúcidos. (**) No teor de Vitaminas hidrossolúveis não se inclui a Vitamina PP

Carne Peças Água% Proteína% Gordura % Cinzas %  Vitams. Hidros.  Vitam.LiposUI/100 Fósforomg/100g
Porco Lombo 69,4 20,00 9,1 0,4 126,0 - 19,8
59,8 15,5 24,5 0,7 157,5 - 18,9
Perna 67,9 21,0 7,5 0,2 12,7 - 22,5
Cachaço 51,8 14,5 33,2 0,7 63,0 - 30,0
Figado * 71,6 20,6 3,7 1,5 684,4 11 000 -
Tripas 69,2 9,9 20,3 0,5 - - -
Bovino Adulto (vaca) Acém comprido 47,5 14,7 37,1 0,7 62,5 - 14,8
Aba 47,2 14,8 37,4 0,6 42,5 - 19,1
Rosbife 68,3 20,7 10,0 1,0 51,2 - 22,6
Prego Peito 47,2 14,8 37,3 0,7 42,7 - 27,4
Agulha 64,2 19,4 15,5 0,9 39,4 - 25,3
Língua 68,0 16,4 15,0 0,9 44,6 - 22,8
Figado * 69,7 19,9 3,8 1,3 225,8 44 000 36,5
Dobrada 79,0 13,6 6,6 0,4 35,7 - 8,7
Vitela Costeleta 66,0 18,8 14,0 1,0 7,1 - 22,9
Aba 56,0 16,5 27,0 0,8 31,0 - 15,0
Peito 71,0 19,7 8,0 1,0 56,1 - 23,4
Lombo 69,0 19,2 11,0 1,0 40,2 - 26,8
Coberta Acém 70,0 19,5 9,0 1,0 51,0 - 18,0
Cavalo Acém 72,8 9,5 6,1 1,1 32,0 - 54,4
Alcatra 73,5 21,1 3,5 1,1 28,0 - 79,0
74,5 21,5 2,4 1,2 26,0 - 58,5
Costeletas 62,6 19,8 15,8 0,2 53,0 - 18,2
Borrego Entrecosto 53,4 15,1 30,4 1,1 63,9 - 16,7
59,6 15,3 23,9 1,1 6,5 - 21,0
Lombo 57,7 16,3 24,8 1,3 5,2 - 21,7
Cabrito Perna 64,8 17,8 16,2 0,7 13,5 - 25,2
Perna 73,6 20,3 5,2 1,2 59,5 - 22,0
Frango Inteiro c/pele 72,0 19,6 6,8 1,1 29,4 - 25,6
Peito 74,0 22,3 2,6 0,8 - - 20,0
Peru Peito 70,0 18,0 23,0 4,7 1,47 23,6 Vest.
Pato Inteiro 57,5 16,0 25,2 0,9 33,4 Vest. 20,0
Coelho Perna 75,3 22,0 0,8 1,2 36,0 Vest. 22,0
Lebre Inteira 51,8 14,5 33,2 0,7 - - -
Perdiz Inteira 74,0 23,0 1,3 - 1,2 89,4 -

Do ponto de vista nutricional, para além da riqueza proteica comum de todas as carnes, a carne de porco contém lípidos, especialmente ácidos gordos e fosfolípidos, existindo também algumas fracções esterólicas concentradas, nas vísceras. Os ácidos gordos organizados nos triglicéridos palmitina, estearina e oleína, representam cerca de 98% da totalidade de lípidos presentes nas carnes de porco. Ao contrário do que acontece com a carne dos ruminantes a gordura de suíno é rica em oleína (35%) da gordura), um triglicérido de ácido oleico, que funde à temperatura dec 35ºC, mas que têm um valor dietético inestimável. Como é sabido, o ácido oleico é um composto mono-insaturado da família n-9, cuja digestão parcial e absorveção se inicia no estômago, dando origem a esteres que são rapidamente encaminhadas para o fígado e aí utilizadas na síntese de lípoproteínas de alta densidade (HDL). Mais relevante ainda é mo facto desses ácidos gordos mono-insaturados se encontrarem praticamente todos na forma “cis” o que constitui um factor dietético muito benéfico, por contrariar a síntese colesterol que ocorre predominantemente no fígado humano e que pode prejudicar a saúde quando em excesso (quadro 3).

Quadro 3. Fracções de ácidos gordos em 100g de carne de suíno muito gorda (=34% de gordura)

Àcidos gordos g/ 100g %
C 10:0 0,029 0,10
C 12:0 0,048 0,16
C 14:0 0,48 1,65
C 16:0 7,23 24,5
C 18:0 3,86 13,1
C 20:0 0,078 0,27
C 16:1 0,78 2,64
C 18:1, cis n-9 11,3 38,5
C 18:1, cis n-7 1,19 4,04
C 20:1, n-11 0,24 0,80
C 18:2, cis n-6 3,28 11,2
C 18:3, n-3 0,30 1,01

As gorduras de suíno também têm na sua composição alguns ácidos gosrdos polinsaturados (PUFA). Esta especial composição de ácidos gordos conjugada com o facto de a carne de porco ter uma riqueza particular em fosfolípidos, conferem a este produto uma vocação especial para alimentação de de crianças e jovens em desenvolvimento, na medida em que estes constituintes são muito valiosos para alguns componentes estruturais do sistema nervoso central (tecido nervoso, bainhas nervosas). Acresce ainda o facto de as carnes de suíno terem um teor muito baixo de ácidos gordos na forma -Trans (quadro 4), pelo que este factor de risco, associado aos acidentes vasculares coronários e cerebrais, é muito mais baixo na carne de porco do que em qualquer óleo vegetal.

A maior parte dos provessos de digestão dos lípidos das carnes de suíno ocorrem ao nível do intestino, sendo especialmente influenciada pela maior ou menor abundância de sais biliares. As lipases pancreáticas e gástricas promovem a degradação dos tri e dos di-gligéridos, ocorrendo a absorção na porção mais terminal do intestino delgado através dos enterocitos. Uma vez no interior destas células inicia-se de imediato a re-síntese dos lípidos (fostatídeos, triglicéridos e colesterol) que são utilizados no metabolismo próprio de cada consumidos. Esses lípidos acumulados no aparelho de Golgi, são transportados por via linfática até ao fígado, onde os hepatócitos se encarregam de “re-programar” o metabolismo lipídico. É precisamente nestas células (hepatócitos), que o ácido oleico é usado como matéria-prima preferencial para a intervenção dos diferentes ácidos gordos nas respectivas sínteses, A maior abundância de ácido oleico na dieta favorece a biodisponibilidade de outros ácidos gordos poli-insaturados (PUFA e HUFA), para se ligarem a proteínas estruturais de células do sangue (leucócitos), melhorando assim o respectivo desempenho fisiológico e influenciando a cascata de reacções que conduzem à agregação plaquetária. O “turnover” cinético destes ácidos gordos para produção de colesterol e fosfolípidos pode ser bastante diminuído se existirem reservas suficientes de triglicérios de ácido oleico (depósitos celulares) que, como já foi referido, têm uma utilização preferencial ao nível hepático.

Ou seja as gorduras digeridas são absorvidas activamente (com dispêndio de energia) no íleon humano, seguindo para os quilíferose para os nódulos linfáticos ileias e daí para a corrente linfática; ou seja trata-se de uma digestão bastante complexa, que implica gasto de energia. Este processo de digestão é diferente do que ocorre com os ácidos gordos de origem vegetal (monoglicéridos) cuja absorveção se inicia no estômago. Essa absorção precose, no início da digestão, provoca uma sobrecarga de gordura no figado (sem dispêndio de energia) que irá acabar por ser acumulada sob a forma de reserva adiposa, contribuindo para o aumento da massa corporal.

As carnes de suínos muito gordoas apenas estão contra-indicadas quando quem a consumir tiver evidentes deficiências do funcionamento hepático (colestases, hepatites), visto não existirem no intestino os sais biliares necessários para saponificar as gorduras no intestino e permitir o ataque enzimático; o que acontece aliás com qualquer gordura, seja de origem vegetal ou animal.

Quadro 4. Distribuição dos ácidos gordos em 100g de carne de suíno muito gorda (=34% de gordura )

Totais de ácidos gordos g/ 100g de carne %
Sumatório de saturados 11,7 39,8
Sumatório de monoinsaturados 13,5 46,0
Sumatório de poliumsaturados 3,58 12,2
Sumatório de ácidos gordos n-3 0,30 1,01
Sumatório de ácidos gordos n-6 3,28 11,2
Ácidos gordos – trans 0,15 0,49

O teor de gorduras esterólicas da carne muscular da carne de porco e na banha é também muito reduzido (quadro 5). Os níveis de colesterol na carne de suíno são equivalentes aos da maioria dos peixes.

Entre os esteróis existentes nas carnes de suíno devem salientar-se os que existem concentrados no fígado e no rim destes animais, nas vísceras, porque correspondem, em parte, a uma elevada riqueza em vitaminas lipossolúveis, nomeadamente A, D, E e K. À semelhança de todas as outras carnes também a de porco é muito rica em vitaminas do complexo B. Do ponto de vista nutricional e dietético as vísceras de suínos são especialmente indicadas regimes de convalescença e de crescimento.

Quanto aos oligo-elementos, as carnes de suíno são especialmente ricas em Fósforo, Sódio, Potássio, Magnésio, Zinco e Selénio. A riqueza em fósforo é especialmente relevante, sobretudo quando se pretende enriquecer a dieta individual com factores nutriciais que melhorem os desempenhos das funções neurológicas. Também o Selénio desempenha um papel nutricional muito relevante sobretudo ao nível dos processos oxidativos que muitas vezes conduzem à perda de longevidade celular e até à sua morte prematura.

Do ponto de vista nutricional, as vantagens de consumo da carne de suíno não se restrigem apenas ao fornecimento de proteínas de elevada digestibilidade e elevado valor biológico, é muito mais valiosa do que isso. A composição em ácidos gordos, a pobreza em colesterol, a riqueza vitamínica, em Fósforo, em Zinco e Selénio fazem das carnes e as vísceras de suínos um alimento excepcional, sobre o qual foram criados alguns mitos depreciativos fantasiosos que não têm o maior suporte científico. Para além do valor nutricial, as carnes de suínos são normalmente obtidas em condições de segurança sanitária de extrema exigência. Nas explorações são aplicados programas de controlo baseados em procedimentos estipulados em códigos de boas práticas, padronizados; utilizam-se adequados sistemas de registos dos animais, da respectiva alimentação e do maneio sanitário, tendo em vista garantir uma rigorosa rastreabilidade. Essas medidas são completadas com os procedimentos relativos às regras de bem-estar na produção, no transporte e no abate; culminando com um sistema de garantia sanitária que é selado através da aplicaçãom de procedimentos sistemáticos de controlo oficial que incidem sobre resíduos, alimentação, medicamentos, sanidade, bem-estar e, finalmente, os actos de inspecção veterinária oficial, antes e após o abate dos animais. Na suinicultura portuguesa existem diversos planos de controlo oficial da sanidade, de que destacam a Triquinelose, a Salmonelose e a Doença da Aujeszki, que contribuem para assegurar um nível de protecção sanitária nunca antes alcançado na História do abastecimento alimentar.

Quadro 5. Teores médios de colesterol em diferentes alimentos de origem animal (mg/100g)

Alimentosde origem animal Colesterol(mg/100g)
Costeletas de porco 74
Lombo de porco 70
Banha de porco 40
Iscas de porco 237
Rim de porco 219
Chiouriço de carne 85
Presunto 92
Bife de vaca 100
Costeleta de vitela 73
Costeleta de borrego (s/osso) 70
Carne frango (peito) 60
Pele de frango 180
Figado de frango 250
Peru (peito) 76
Pato (peito) 85
Gema de ovo 1 820
Sardinha em conserva 120
Filete de pescada 40
Salmonete 90
Salmão fresco 80

Conclusões

Genericamente pode-se concluir que a utilização das carnes de suíno na alimentação dos portugueses tem repercussões muito vantajosas em diversos domínios.

Desde logo o facto de ser uma actividade produtiva que contribui para o aumento da riqueza nacional, ocupando mão-de-obra muito diversificada e sobretudo alguns recursos humanos que dificilmente lograriam ser produtivos noutros sectores de actividade, pelo que a primeira grande vanyagem que deve ser referida é de natureza social.

As pequenas explorações de suínos, com um carácter quase doméstico, que ainda hoje existem nalguns espaços do mundo rural português, contribuem para a manutenção da ocupação do território e para evitar a desertificação do interior, com a vantagem de permitirem a subsistência financeira de muitas famílias.

A segunda grande vantagem é a que decorre do facto de se obterem dos suínos, géneros alimentícios (as carnes) que são, também matérias-primas usadas nas inúmeras unidades industriais que se dedicam à produção de alimentos à base de carne.

Essas indústrias de salsicharia, para além de acrescentarem valor às carnes, produzindo mais riqueza, contribuem para o desenvolvimento sustentado do país, gerando produto e emprego. Alguns dos seus produtos, pela sua excelência, até são um valor patrimonial que contribui para a afirmação de Portugal no mundo, especialmente quando são apreciados em mercados internacionais de referência.

A terceira vantagem advém do facto de as carnes obtidas dos suínos serem um alimentado de excepcional interesse gastronómico e nutricional. Pelas suas múltiplas aptidões culinárias, pela enorme riqueza que advém da diversidade de confecções e modos de preparação, pelo prazer sensorial que proporcionam, pela sua digestibilidade, pelo valor biológico das suas proteínas, as carnes de suínos só podem ser consideradas de excepcional valor alimentar e nutritivo; sendo até possível vislumbrar nelas um certo valor hedónico (prazer gastronómico).

De um modo geral, os povos “não vegetarianos” aspiram a ingerir maiores quantidades de carne, porque a capitação de consumo está associada à ideia de um indíce de desenvolvimento superior. Os povos que consomem mais carne, são também os que têm populações com melhor indíce de desenvolvimento físico (envergadura), têm maior longevidade e são aqueles em que as doenças infecciosas têm menor mortalidade.O desenvolvimento da massa corporal, músculos, ossos e tecido nervoso nos humanos, está indelevelmente correlacionado com as taxas de capitação de consumo de proteínas animais (carnes, leites, ovos ou produtos da pesca). As sociedades que passam gerações sucessivas privadas do consumo de carne, são de estatura inferior, têm uma esperança média de vida mais baixa e resistem pouco às doenças infecciosas: estes são factos amplamente demonstrados cientificamente.

Sem dúvida que o apreço que os portugueses têm pelas carnes de porco é a expressão de uma raiz cultural profundamente arreigada às tradições rurais, espaços onde durante muitos séculos, um número significativo de famílias procedia à matança do porco, no início do Inverno, e enchia a salgadeira e o fumeiro de carnes que permitiam o abastecimento da família durante longos meses.

Este interesse secular leva os portugueses a terem um apreço muito especial pelos produtos da salsicharia tradicional ou pelo leitão assado.

E, finalmente, um dos benefícios indiscutíveis que obtêm pelo consumo de carnes de suíno decorrre do seu excepcional valor dietético, especialmente devido à da natureza das fracções lipídas da gordura de porcoe também da sua riqueza específica em vitaminas e micro-nutrientes.

Ao contrário do que é voz corrente, está demonstrado cientificamente que as gorduras de suíno contribuem para a prevenção de problemas de saúde associados a problemas vasculares nos humanos.

  1. Bibliografia

Texto de Fernando Bernardo – Faculdade de Medecina Veterinária /UTL 2011

Publicação inserida no 30º aniversário da Fereração Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS)